Foto: Vinicius Becker (Diário)
“Era tudo com muita luta e muito amor”: Aneli relembra as festas do Dia das Mães, dos Pais e o Réveillon.
A medida que proíbe testas com bebida alcoólica e música em comunidades católicas da Arquidiocese de Santa Maria completou sete meses em julho deste ano. Implantada em 29 de dezembro de 2024 e válida até 28 de dezembro de 2025, durante o Ano Jubilar, a regra foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Arquidiocesano de Pastoral e passou a valer em todas as 39 paróquias. A decisão abriu um debate entre fé e cultura: enquanto o arcebispo dom Leomar e parte do clero veem a norma como um chamado à espiritualidade, lideranças rurais relatam prejuízos, esvaziamento das capelas'e o fim de tradições centenárias.
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Para começar, ele ressalta que a decisão foi baseada nas diretrizes da própria Igreja Católica no Brasil: Segundo ele, o impacto foi sentido diretamente na forma como as famílias passaram a participar dos eventos.
As festas, segundo ele, tornaram-se mais acolhedoras.
— Conseguimos aplicar, na prática, as diretrizes da Igreja no Brasil, que é o documento 100 sobre comercialização de bebida de álcool. E posso dizer que, após sete meses, foi uma surpresa. Foi muito bom, está sendo muito bom. Nós conseguimos envolver mais pessoas na igreja, especialmente crianças e jovens. E nas festas vêm mais famílias que ficam até o fim. Porque antes, quando a música começava um pouco mais alta, começava algum problema, elas saíam mais cedo — conta.

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Impactos sob diferentes pontos de vista

Desde que a Arquidiocese de Santa Maria anunciou as novas regras que proíbem as “reuniões dançantes” e também a venda de bebidas alcoólicas em festas de santos padroeiros nas 39 paróquias da instituição durante o Ano Jubilar 2025, agricultores e lideranças do meio rural relatam tristeza, frustração e até abandono. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria, Delcimar Gonçalves Borin, tem recebido relatos quase semanais desde que as orientações foram anunciadas, em novembro de 2024.
— Do dia em que as medidas da Arquidiocese passaram a vigorar, a partir de janeiro deste ano, praticamente toda semana agricultores, lideranças comunitárias passam aqui pelo sindicato tristes. Muitas comunidades deixaram de fazer as suas atividades, suas festas e isso tem trazido bastante tristeza para o pessoal do interior, porque eles trabalham o ano inteiro, e, às vezes, tem uma, duas festas por ano na comunidade. E nem essas festas estão acontecendo. É muito triste o que nós estamos vivendo no ano de 2025. O ano do Jubileu se tornou o ano da tristeza. Não é o ano da reflexão, mas, sim, da intolerância, do preconceito contra os mais idosos, das limitações dos espaços comunitários. É um ano que vai ficar marcado não pelo ano do fortalecimento da fé, mas pelo ano da exclusão social do pessoal do interior.
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Críticas, decepção e esvaziamento dos fiéis

A cozinha recém-reformada está parada. As churrasqueiras não foram acesas uma única vez neste ano. Mesas e cadeiras estão empilhadas e empoeiradas no canto do salão vazio. Assim está o espaço da capela São Sebastião, na comunidade rural que leva o mesmo nome, em Santa Maria. Acostumado a receber centenas de pessoas em festas animadas com comida, música e oração, o local agora vive um ano silencioso.
— Esse ano, para nós, foi um ano praticamente de luto na religião. A nossa fé continua, mas a maneira que o nosso bispo, arcebispo conduziu… Ele nos deu uma facada no coração. Ele não matou com arma. Ele nos matou diferente: pela mágoa, pelo desprezo. Ele teve um desprezo muito grande com as pessoas que uma vida toda lutaram para manter a fé dentro de uma comunidade — desabafa Aneli Camponogara Tonetto, 70 anos, coordenadora da capela.
Além do choque com a medida, ela diz que palavras ditas pelo arcebispo aumentaram ainda mais o sentimento de indignação.
— Ele chegou a dizer que os idosos eram safados, que iam nas festas para se embriagar. Tu imaginas o que é ouvir isso, depois de tudo que tu construiu em uma comunidade? A maneira que ele conduziu tudo nos deixou arrasados. Ele (dom Leomar) assumiu um cargo que não estava preparado. O nosso arcebispo assumiu farda, mas a mente dele não estava preparada – diz a representante da comunidade.
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Medida recebida com bons olhos

Ministra extraordinária da Eucaristia da Capela Santa Cruz e atuante nas lideranças da comunidade da Vila Cruz, no interior de Nova Palma, Simone Osmari Lago Pesamosca diz que as mudanças promovidas pela Arquidiocese de Santa Maria durante o Ano Jubilar foram bem recebidas por lá. Apesar de reconhecer opiniões contrárias, ela avalia que o impacto foi positivo.
— Para nós, foi positivo. Claro, sempre considerando que houve os descontentes. Nós respeitamos e entendemos esse descontentamento, mas é um ano santo, tem que deixar bem claro. É um ano de graça.
Para Simone, o problema esteve principalmente na forma como o anúncio da suspensão de bebidas alcoólicas e bailes em festas católicas foi divulgado.
— No primeiro momento, foi um pouco polêmico, gerou conflitos internos. Só que infelizmente na época a mídia não noticiou como deveria, foi pego uma parte do discurso do nosso arcebispo e foi jogado na mídia. (...) A maneira como foi veiculada deu entender que não se podia mais absolutamente nada avalia. Com o tempo, diz ela, o entendimento amadureceu.
Simone enxerga a decisão da arquidiocese como um gesto de cuidado pastoral.
— Com o passar dos dias, com diálogo, com instruções, o pessoal foi entendendo, a gente também foi entendendo, que se trata de um ano santo, um ano muito importante para nós católicos. Eu avalio essa atitude como uma atitude de cuidado, que é justamente a missão que o nosso pastor dom Leomar tem, que é cuidar do seu rebanho. (...) Para muitos, é uma afronta, mas, na verdade não é. É um gesto profundo de zelo e é amor — acrescenta ela.
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Medida foi aprovada por unanimidade e segue até dezembro em respeito ao Ano Jubilar de 2025
A norma polêmica foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Arquidiocesano de Pastoral em 19 de outubro de 2024. À época, dom Leomar explicou que a decisão seguiu orientações do papa Francisco – falecido em abril deste ano – para o Jubileu da Esperança, um evento que marca os 2025 anos da era cristã e que, segundo bula papal Spes non confundit ("a esperança não engana"), convida os fiéis a viverem um período de espiritualidade, reconciliação e indulgências.
— O contexto é o grande Jubileu de 2025, quando nós celebraremos 2025 anos da era Cristã. Papa Francisco, numa bula chamada Spes non confundit, que quer dizer “a esperança não engana”, pede que o ano que vem seja o ano da esperança. Além disso, também tem o Jubileu, que vem com as indulgências e, para isso, o papa fez uma série de medidas. E nós, da arquidiocese, seguimos o papa, especialmente para que o povo possa entender esse momento histórico — explicou o arcebispo, em entrevista concedida em dezembro de 2024.
A decisão, no entanto, provocou repercussões já nas primeiras semanas. Vídeos gravados durante celebrações religiosas circularam nas redes sociais, em especial, trechos em que dom Leomar critica a realização de festas com “música bagaceira” e o consumo excessivo de álcool, por considerar que esse tipo de atividade não condiz com os valores da fé católica.